Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor da sua pele, por sua nacionalidade, por suas crenças ou por suas ações. Essas tendências são incutidas nas pessoas pelo meio em que vivem conforme os anos passam. O ódio não deve ser exaltado ou tido como algo enraizado em nossa natureza humana na medida em que traz à tona o que de pior existe nas pessoas: guerras, morticínios, horrores inenarráveis. São tendências perigosas de se cultivar, mesmo quando o preconceito é aparentemente inofensivo. Nunca é.
O amor e o ódio são tidos como sentimentos comuns a todos, embora antagônicos, igualmente intensos e fortes, e por isso, inevitáveis. O ódio é evitável. O ódio tem de ser evitável porque quando não é, quando nós decidimos que é algo aceitável – mais do que isso, um sentimento do qual não podemos escapar, somente nos resignar a sucumbir a ele, caímos em um ciclo vicioso e eterno.
Muitas ideologias e governos têm em sua base uma doutrina de intolerância, violência, opressão e preconceito. Os maiores crimes a humanidade do século XX, que após um século ainda causam horror, foram ditaduras, guerras, perseguições, genocídios e políticas de ódio. Após elas, o que se deveria haver é uma consciência maior da importância da paz e da tolerância, e os perigos que tais tendências mascaram, em todas as suas formas. O que vemos, no entanto, é uma expansão da capacidade humana de odiar e ferir em larga escala disseminada pelo ressurgimento de ideologias perigosas que semeiam mensagens recicladas de violência, limpeza étnica, intolerância religiosa e xenofobia ao redor do mundo.
A História nunca mente. Apesar de sua tendência a ser esquecida com o passar do tempo, a natureza da História permanece cíclica. Por isso é tão importante manter a memória dos incontáveis que morreram em prol da limpeza étnica viva, e que continuam sendo dizimados e perseguidos nos dias atuais.
O Holocausto é tema freqüente de pesquisas e obras, contudo cada vez mais pessoas ignoram que não foi um único homem ou o exército sob seu comando que assassinou
gerações inteiras de inocentes cujo único crime era existir. Foi uma nação, cega por uma sede insaciável de sangue e expurgos dos indivíduos considerados “nocivos” à construção de uma Alemanha inteiramente ariana. Para isso, políticas internas de segregação – estava vedado o direito dos judeus de utilizarem transportes públicos ou freqüentarem instituições de ensino – ações públicas de boicote e vandalismo contra propriedades judaicas – e o uso de extrema violência da população instigado pelo governo – foram feitas e inúmeras sinagogas incendiadas, frequentemente com os judeus ainda dentro delas.
A população participou sim ativamente, se não do extermínio sistemático nas fábricas da morte, ao menos em manter vivo e crescente o ódio irracional que fez com que o nazismo ascendesse. Sem seu apoio, Hitler provavelmente nunca teria passado de um impopular militar nacionalista de idéias radicais.
Como pôde uma única corrente ideológica, aceita por uma minoria nos anos 20, conseguir fazer de um país composto por intelectuais e filósofos transformados em carrascos e assassinos, o pioneiro numa carnificina sem escalas menos de uma década depois? O antissemitismo já era forte na Europa antes de Hitler virar chanceler e tomar o poder. Então o que fez com que o delicado equilíbrio que regia as relações entre os judeus e o resto da Europa – que viria a ser quase totalmente anexada ao território germânico – fosse quebrado?
Sob todos os aspectos, era o período histórico ideal para a ascensão de Hitler e suas idéias. A economia alemã estava em ruínas após a derrota na Primeira Guerra Mundial (1914-1918), e as obrigações impostas em 1919 pelo Tratado de Versalhes reduzia drasticamente a força bélica da nação, a obrigava a devolver os territórios conquistados e pagar altíssimas indenizações aos países da Tríplice Entente. Para piorar as coisas, a Quebra da Bolsa de Valores de Nova York e a crise econômica mundial de 1929 deixaram o mundo capitalista reduzido a empresas falidas e taxas de desemprego exorbitantes.
O sentimento de revanchismo da população alemã frente às humilhações impostas pelo Tratado de Versalhes era crescente. Hitler estava simplesmente no lugar certo, na hora certa, com o discurso certo. E, cada vez mais, a atenção pública se voltava para a mensagem que ele trazia, mensagem que somada ao seu talento extraordinário como orador fazia com que tivesse em suas mãos o instrumento mais poderoso que poderia ter: as massas.
Era um caminho sem volta.
Em seus discursos, Hitler falava de expandir territórios, lutar para reaver os que os pertenciam, conquistar, prosperar mundialmente como força econômica e militar, dar as crianças um futuro e uma nação da qual se orgulhar. Falava de um povo que, infiltrado na Alemanha, destruía sua economia, minava seu sucesso e prosperava a custa de suas riquezas.
Era uma tática diabolicamente simples.
Hitler resumiu todos os problemas pelos quais a nação passava num único alvo, um único bode expiatório: os judeus, aqueles que há muito eram vistos com desconfiança e antipatia pela comunidade européia. Um povo perverso, o lixo racial que disseminava doenças e planejava secretamente sua destruição. Eram eles os culpados. Eles eram a razão de seus pais estarem desempregados e seus filhos na miséria. Sem eles a Alemanha ressurgiria como uma força imbatível e seria poderosa novamente.
As idéias nazistas sobre superioridade e purificação racial eram tão deturpadas quanto a absurda “ciência” nas quais se baseavam, mas a Alemanha estava eufórica demais depois de um longo período sufocada por crises sucessivas, cega para o que o futuro reservava, mesmo que à principio fosse tão óbvio.
Quão empolgante e embriagador devia ser para uma nação em ruínas ser chamada de “raça superior”, e classificada como indivíduos privilegiados pela evolução, psicológicos físicos e biologicamente superiores. E assim Hitler – tido como um austríaco megalomaníaco, mas inofensivo pelo Ocidente – uniu um povo que não tinha nada pelo ódio.
A extensão dos danos causados é amplamente conhecida e temida por nós. Tal conhecimento nos faz supor que, sabendo o quanto ideologias de ódio são, em sua essência, destrutivas a toda moral humana, bem como à existência de sociedades democráticas e igualitárias, a visão de grupos neonazistas, xenófobos e racistas, e sua imediata ascensão faria com que recuássemos de horror. A História nunca mente. Apesar de sua tendência a ser esquecida, a natureza da História é cíclica. Podemos não nos preocupar e não dar muita atenção a grupos de indivíduos violentos que só conseguem aterrorizar suas áreas de influências, também minúsculas se comparadas ao todo. Mas não nos enganemos, eles não são inofensivos. Podemos subestimá-los hoje com a impressão de que eles são controláveis, até não serem mais.